Jul 22, 2009

We are the children

Elisa Lucinda


Quem me conhece sabe que não é do meu feitio batizar em outra língua uma publicação brasileira. Mas o título exerce dominação no meu peito esta semana em que fui mestre de cerimônia nos jardins do Palácio Guanabara, repleto de suas habituais autoridades e de cidadãos que raramente frequentam estes ares. Era lançamento nacional do programa Plataforma dos Centros Urbanos, uma iniciativa iluminada do Unicef, que viabiliza ações de desenvolvimento integral dos indivíduos nas cidades, a partir do olhar desta galera. São eles os GAL’s(Grupos Articuladores Locais)compostos de jovens que entrevistam, pesquisam sobre o que é vulnerável em sua comunidade, e conduzem a realização de prioridades e demandas de sua aldeia, digamos assim. Era também nesta tarde a posse de Lázaro Ramos, queridíssimo ator baiano, como embaixador do Unicef. Pois quando Marie Pierre, diretora do Unicef, me deu a palavra para que eu o homenageasse, a reflexão que tomou o proscênio de meu afeto foi a seguinte: no momento em que o mundo se despede precocemente de seu ídolo pop negro mais polêmico e criativo, este fato ganha novos recortes. Michael foi um menino abusado, explorado, castigado e mal criado pelo pai com a passiva e, não menos cruel, cumplicidade da mãe. E o pior, não só a sua aldeia, mas estas torpes histórias o mundo todo comentava. Um gênio maravilhoso, cuja infância foi roubada e cujo talento em vida sustentou aquela cambada, aquela mórbida e fria família, cujos olhos já brilham com os lucros da morte de seu gênio valiosíssimo. Um menino que ensinou ao mundo os passos da lua e era chamado de macaco pelo pai monstro com cara de cafetão escroto, morreu inseguro, infeliz, esfacelado nos trapos da palavra identidade, desfigurado, retalhado na face, frágil, doente, anoréxico e esbranquiçado, depois de ter sido o primeiro a, com sua música pioneira e única, unir as vozes brancas e negras na América e fora dela. O mundo testemunhou a tragédia de um mártir que inscreveu no corpo, na cara, nas bizarras atitudes no patético castelo de horrores da terra do nunca, as contradições, as injustiças, o racismo e a crueldade de uma nação chamada de primeiro mundo e de uma civilização omissa e equivocada. Esta morte pode ser um alerta. O menino violentado ainda pequeno, afanado em seu direito de ser criança, não cresceu e, o que nele cresceu, não gostou do que viu. A dependência crônica dos analgésicos grita em nossos ouvidos como lhe doía viver. Mas me pergunto por que um milionário que foi sacaneado na infância e impedido de se construir fora dos palcos, uma vez que a base de seus casamentos e relações pessoais parecia seguir as leis da ficção, por que este homem rico de grana e tão comprometido psicológica e emocionalmente, morreu sem tratamento adequado? Ser um homem de cinquenta anos, cheio de Mickeys e Peterpans pelas paredes de seu quarto, criar aquela face indescritível de batom sob um nariz sem cartilagem e sob olhos infantis muito tristes não era bizarro, era loucura. Ele estava dodói e poderia, com uma boa terapia e tratamento psiquiátrico, ter tido um outro destino onde seu talento pudesse realizar o mundo e a ele mesmo ainda mais, onde ele pudesse se libertar de vez daquele demônio paterno.
Meu Deus, e agora estava eu ali, diante de Lázaro, aquele brasileiro negro lindo, talentosíssimo, coerente em suas ações como artista, cidadão, solidário, antenado com suas responsabilidades neste mundão segregacionista, idealizador e apresentador de um programa chamado “Espelho”, e que, por isso mesmo dispensa explicações, egresso de um daqueles bairros pobres de Salvador mas que, dentro de toda a pobreza, foi criado como menino seguro, forte, amado pelo pais, ancorados no amor por si e pelos seus. Ouvi o discurso simples do jovem embaixador, sua brilhante inteligência sob cabelos muito bons e crespos, um sorriso luminoso e delicioso, com aquela mesma cara ensolarada do primeiro Michael, o menino de ouro do gupo Jackson Five, de nariz largo, voz linda, cheio de sonhos cantando I’ll be there.
Lázaro foi emblemático para mim naquela tarde de uma cerimônia patrocinada por uma instituição cujo foco, cuja mola mestra é a infância. Meus senhores, não há futuro possível sem uma infância e adolescência cuidadas. É uma conta que, geralmente, desanda. Ainda tem muito menino preto que cresce achando que só pode lhe sobrar ser “Triller” e “Bad”, ser preto e mau. O tema é amplo, toda criança, de qualquer tom ou origem social, merece uma opção de vida cidadã. Então, ao mesmo tempo em que meu coração chorava em luto por quem foi talvez a mais triste e genial criança americana, uma forte luz vinha daquela tarde representada em Lázaro, como a me dizer que novos tempos se anunciam. No momento em que a crise do mundo quebra as pernas da arrogância da razão, novas plataformas mais emocionais, mais humanas, mais responsáveis, surgem para dar a mão e novas saídas para o menino mundo; o que sempre é e sempre será feito de ex-crianças, de crianças que cresceram . Uma criança que não tem a infância roubada, pode envelhecer em paz, e, sem enlouquecer, viver pra sempre.

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Que a sociedade atual não crie novos Peter Pan... Que as crianças possam realmente crescer e envelhecer como pessoas normais.

Jul 20, 2009

Palestra do Içami Tiba, em Curitiba:

Palestra ministrada pelo Dr. Içami Tiba, Psiquiatra, em Curitiba, 23/07/08. Médico pela Faculdade de Medicina da USP. Psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da FMUSP. Professor-Supervisor de Psicodrama de
Adolescentes pela Federação Brasileira de Psicodrama. Membro da Equipe Técnica da Associação Parceria Contra Drogas - APCD.
Membro Eleito do Board of Directors of the International Association of Group Psychotherapy. Conselheiro do Instituto Nacional de Capacitação e Educação para o Trabalho "Via de Acesso". Professor de diversos cursos e workshops no Brasil e no Exterior.
Criou a Teoria Integração Relacional, na qual se baseiam suas consultas, workshops, palestras, livros e vídeos.
Em pesquisa realizada em março de 2004, pelo IBOPE, entre os psicólogos do Conselho Federal de Psicologia, os entrevistados colocaram o Dr. Içami Tiba como terceiro autor de referência e admiração - o primeiro nacional.

• 1º- lugar: Sigmund Freud;
• 2º- lugar: Gustav Jung;
• 3º- lugar: Içami Tiba







1. A educação não pode ser delegada à escola. Aluno é transitório. Filho é para sempre.

2. O quarto não é lugar para fazer criança cumprir castigo. Não se pode castigar alguém com internet, som, tv, etc.


3. Educar significa punir as condutas derivadas de um comportamento errôneo. Queimou índio pataxó, a pena (condenação judicial) deve ser passar o dia todo em hospital de queimados.


4. Confrontar o que o filho conta com a verdade real. Se falar que professor o xingou, tem que ir até a escola e ouvir o outro lado, além das testemunhas.


5. Informação é diferente de conhecimento. O ato de conhecer vem após o ato de ser informado de alguma coisa. Não são todos que conhecem. Conhecer camisinha e não usar significa que não se tem o conhecimento da prevenção que a camisinha proporciona.


6. A autoridade deve ser compartilhada entre os pais. Ambos devem mandar. Não podem sucumbir aos desejos da criança. Criança não quer comer? A mãe não pode alimentá-la. A criança deve aguardar até a próxima refeição que a família fará.. A criança não pode alterar as regras da casa. A mãe NÃO PODE interferir nas regras ditadas pelo pai (e nas punições também) e vice-versa. Se o pai disse que não ganhará doce, a mãe não pode interferir... Tem que respeitar sob pena de criar um delinquente. Em casa que tem comida, criança não morre de fome . Se ela quiser comer, saberá a hora. E é o adulto tem que dizer QUAL É A HORA de se comer e o que comer.


7. A criança deve ser capaz de explicar aos pais a matéria que estudou e na qual será testada. Não pode simplesmente repetir, decorado. Tem que entender.


8. Temos que produzir o máximo que podemos, pois na vida não podemos aceitar a média exigida pelo colégio. Não podemos dar 70% de nós, ou seja, não podemos tirar 7,0.


9. As drogas e a gravidez indesejada estão em alta porque os adolescentes estão em busca de prazer. E o prazer é inconsequente, pois aquela informação, de que droga faz mal, não está gerando conhecimento.


10. A gravidez é um sucesso biológico, e um fracasso sob o ponto de vista sexual.


11. Maconha não produz efeito só quando é utilizada. Quem está são, mas é dependente, agride a mãe para poder sair de casa, para da droga fazer uso. A mãe deve, então, virar as costas e não aceitar as agressões. Não pode ficar discutindo e tentando dissuadi-lo da idéia. Tem que dizer que não conversará com ele e pronto. Deve 'abandoná-lo'.


12. A mãe é incompetente para 'abandonar' o filho. Se soubesse fazê-lo, o filho a respeitaria. Como sabe que a mãe está sempre ali, não a respeita.


13. Homem não gosta quando a mulher vem perguntar: 'E aí, como foi o seu dia?'. O dia, para o homem, já foi, e ele só falará se tiver alguma coisa relevante. Não quer relembrar todos os fatos do dia..


14. Se o pai ficar nervoso porque o filho aprontou alguma coisa, não deve alterar a voz. Deve dizer que está nervoso e, por isso, não quer discussão até ficar calmo. A calmaria, deve o pai dizer, virá em 2, 3, 4 dias. Enquanto isso, o videogame, as saídas, a balada, ficarão suspensas, até ele se acalmar e aplicar o devido castigo.


15. Se o filho não aprendeu ganhando, tem que aprender perdendo.


16. Não pode prometer presente pelo sucesso que é sua obrigação. Tirar nota boa é obrigação. Não xingar avós é obrigação. Ser polido é obrigação. Passar no vestibular é obrigação. Se ganhou o carro após o vestibular, ele o perderá se desistir ou for mal na faculdade.


17. Quem educa filho é pai e mãe. Avós não podem interferir na educação do neto, de maneira alguma. Jamais. Não é cabível palpite. Nunca.


18. Mães, muitas são loucas. Devem ser tratadas. (palavras dele).


19. Se a mãe engolir sapos do filho, a sociedade terá que engolir os dele.


20. Videogames são um perigo. Os pais têm que explicar como é a realidade. Na vida real, não existem 'vidas', e sim uma única vida. Não dá para morrer e reencarnar. Não dá para apostar tudo, apertar o botão e zerar a dívida.


21. Professor tem que ser líder. Inspirar liderança. Não pode apenas bater cartão.


22. Pai não pode explorar o filho por uma inabilidade que o próprio pai tenha. 'Filho, digite tudo isso aqui pra mim porque não sei ligar o computador'. O filho tem que ensiná-lo para aprender a ser líder.Se o filho ensina o líder (pai), então ele também será um líder. Pai tem que saber usar o Skype, pois no mundo em que a ligação é gratuita pelo Skype, é inconcebível o pai pagar para falar com o filho que mora longe.


23. O erro mais frequente na educação do filho é colocá-lo no topo da casa. Não há hierarquia. O filho não pode ser a razão de viver de um casal. O filho é um dos elementos. O casal tem que deixá-lo, no máximo, no mesmo nível que eles. A sociedade pagará o preço quando alguém é educado achando-se o centro do universo.


24. Filhos drogados são aqueles que sempre estiveram no topo da família.


25. Cair na conversa do filho é criar um marginal. Filho não pode dar palpite em coisa de adulto. Se ele quiser opinar sobre qual deve ser a geladeira, terá que saber qual é o consumo (KWh) da que ele indicar. Se quiser dizer como deve ser a nova casa, tem que dizer quanto que isso (seus supostos luxos) incrementará o gasto final.


26. Dinheiro 'a rodo' para o filho é prejudicial. Tem que controlar e ensinar a gastar.

Jul 19, 2009

TELEANÁLISE



ONDE OS fracos tem vez

Malu Fontes



Numa mesma semana a televisão contou com uma pauta longa de notícias relevantes. Michael Jackson, Farah Fawcett e Pina Bausch morreram, cerca de 150 passageiros sumiram no Oceano Índico na queda do segundo Airbus no mar em um mês, a lama em torno do senado e de José Sarney subiu a níveis de transbordamento, fezes e dejetos de todo o tipo (fraldas usadas, sanitários químicos usados e compactados) foram importados pelo Brasil da Inglaterra via porto de Rio Grande (RS), o pregão eletrônico viva voz das bolsas de valores no Brasil deixaram de existir para sempre, um grupo de militares fossilizados ressuscitou o golpe de estado em Honduras e a gripe suína provocou a primeira morte no Brasil, onde o número de contaminados já aproxima-se de 700. É muita informação importante para período tão curto.



No entanto, para o telespectador de Salvador, é pouco provável que quaisquer destas informações veiculadas ostensivamente em todas as emissoras abertas e fechadas de TV tenham tido força suficiente para ofuscar a contundência do ato e da entrevista do professor de Educação Física Adalberto França de Araújo Filho, 39 anos, preso na última segunda feira por torturar, esfaquear, atirar e queimar a mulher e mãe de sua filha na quinta-feira da semana anterior. Não se trata de um homem miserável, desses analfabetos, famélicos, a quem o senso comum atribui a barbárie doméstica praticamente como um sintoma natural da condição desumana de onde emergiram desde que estão no mundo. Trata-se de um homem desses aparentemente comuns, desses que podem ser vistos em delicatessens de rico comprando comes e bebes para compartilhar com os amigos na casa confortável de classe média onde vive com mulher e filhos.



PÊNIS E FACAS - O tempo passa, o tempo voa e o machismo continua, sim, numa boa. Para boa parte dos homens, sobretudo os latinos, o pênis ainda é tido como uma arma contra a mulher. Uma arma que a qualquer momento pode se estender prolongando-se sob a forma de facas, revólveres, murros, gritos, humilhações, autoritarismo, imposição de controle, torturas morais e físicas e assassinato. Além disso, a autoridade e a hierarquia doméstica depositadas exclusivamente sobre o homem ainda é um valor tão comum entre as boas famílias quanto o almoço de domingo. Muita coisa mudou, mas a possessividade bestial masculina ainda é tão entranhada que Adalberto dá-se ao direito de alegar razões para o que fez e se permite atribuir a si o poder de perdão. Diz, sem que lhe perguntem algo tão nonsense, que, sim, é capaz de perdoar a mulher, que sobreviveu, embora com toda o tipo de seqüelas: dedos cortados, fraturas múltiplas, incluindo mãos e os dois pulsos, hematomas incontáveis, tiros, cortes e queimaduras, inclusive com pontas de cigarros nos seios.



O perdão seria por ela o trair. A certeza da traição veio da confissão arrancada em 4 horas de violência e tortura. Houve de tudo. Cortes de faca no rosto, na vagina e no ânus, ingestão de fezes dele sob a mira de um revólver carregado (e disparado várias vezes), jatos de leite fervente sobre o corpo, várias queimaduras de cigarro e detalhes que chocaram os médicos que a atenderam. O agressor argumenta de forma assertiva que não é o único culpado pelo que aconteceu, pois ela sabia que ele não admite traição. Imagina se os machos sentados sobre seus sacos inflados de poder outorgado por séculos são capazes de admitir que suas mulheres lhes devolvam aquilo que é praticado por eles com tanta naturalidade. Defende-se dizendo que não a torturou. O que fez foi ter usado, por perder a cabeça, meios indevidos para levá-la a falar a verdade. Em seu raciocínio de macho castrado pela impossibilidade de se imaginar preterido, tudo o que fez foi por amor. Sim, no Século XXI ainda há imbecis graduados capazes de usar um argumento tão rastaqüera e vencido. Se há universo onde os fracos morais ainda tem vez, é na violência doméstica. A punição ainda está longe de alcançá-los na medida em que merecem.



JESUS CRISTO - As imagens de TV com as declarações de Adalberto são um peça a ser adotada nacionalmente nos anais do machismo brasileiro. E não vale o argumento de surto ou doença. Uma coisa é patologia, outra é mau caratismo e violência masculina, pois, como se não bastasse o argumento amoroso, há outro: surto psicótico. Se há algo difícil de ser explicado pelos pesquisadores dos descaminhos da mente humana, é o surto premeditado. Na véspera, o agressor tratou, segundo foi divulgado, de providenciar uma receita médica de um medicamento de uso controlado, tarja preta. Na noite do crime, mandou a babá e a filha pequena para a casa de parentes. As intenções do surto, portanto, chegaram bem antes da manifestação.



Nem Nélson Rodrigues colocaria algumas das frases de Adalberto na boca dos maiores de seus cafajestes de ficção. Sobre a irrefutabilidade da traição confessada pela companheira, não titubeia: ninguém mentiria, segundo ele, diante de um revólver carregado. Quanto equívoco: por muito menos e, sob a promessa de que, em caso de confissão, nada aconteceria, como ele fez, qualquer fortão revelaria, em segundos, ser o mentor e executor da crucificação de Jesus Cristo. Para as mulheres, diante do nojo experimentado com as falas de um impotente moral se fazendo passar por limpador da própria honra, ouvir na TV que a Inglaterra está literalmente exportando merda para o Brasil, soa como uma notícia quase banal, afinal o país já produz tanta que uns contâineres a mais ou a menos...



Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado em 05 de julho de 2009. maluzes@gmail.com


Acredito que este é o tipo de texto que deveria ser postado em todos os blogs...Uma leitura essencial que tem como consequência uma reflexão obrigatória.